Porque esteve Paris a arder?
Mais uma vez acordei tarde para um assunto depoletado por uma troca de e-mails entre dois amigos meus! Paris tem estado, de facto, a arder. No entanto, os fogos postos a que assistimos ha algumas semanas, sao um pequeno rastilho aceso dos fogos que estao para vir. As minhas curtas incursoes pela capital francesa mostraram-me que quem deixa o centro de Paris e as suas conotacoes fantasistas e romanticas pintadas de Sena e Torre Eiffel, de cafes e boulevards, de croissants e gastronomia, e decide apanhar a rede de metro suburbana, podera deparar-se com o inferno no fim da linha. E como passar de um mundo para outro, nos antipodas. Os suburbios de Paris onde moram tantos imigrantes, entre eles os portugueses, sao uma massa de desumana arquitectura, talhada e arrumada de proposito para mostrar a quem la vive a sua alienacao e a sua diferenca desintegrada. Como muitos suburbios europeus, trata-se de uma arquitectura monstrusosa e apocaliptica, de corredores desabrigados e materiais frios sem vida comunitaria. Lugares onde as pessoas vivem como em gaiolas, atomizadas, isoladas, reduzidas a infima especie da sua condicao menor.
Por mais que a Franca igualitaria, republicana, fraternal e idealista, criadora dos Direitos do Homem e herdeira espiritual do Iluminismo, queira pensar e repensar o fenomeno da integracao dos imigrantes e das suas politicas, o facto saliente e este: ninguem, salvo escassissimas excepcoes esta integrado. Magrebinos, negros, arabes, os grupos mais representados, quase todos eles um subproduto residual do colonialismo frances e das suas guerras de libertacao, sabem a partida que podem trabalhar em Franca, viver em Paris, mas viverao sempre a sombra da luz que ilumina os brancos e os filhos da terra e do sangue. O racismo frances, latente ou explicito, contaminou sempre a sociedade francesa, uma das sociedades mais chauvinistas e xenofobas do mundo, apesar da capa "cultural" e das manias snobs dos intelectuais que gostam de "descobrir" culturas marginais mas, nunca, de as integrar em pleno direito como francesas ou europeias. A integracao cultural falsa, assente em meia duzia de participacoes controladas dos estrangeiros "escolhidos", nao oculta nem pode ocultar a separacao profunda e radical entre o Estado frances e os grupos etnicos que lhe sao estranhos, pelos habitos, tradicoes, pobreza, ignorancia e cor da pele.
Esta gente, remetida para "ghettos", de onde so sai para trabalhar, espera na ansiedade, na raiva e no desespero. Paris nao e Londres ou Nova Iorque, que acolheram sociedades multirraciais sem fracturas nem degradacoes tao humilhantes como as que atingem os imigrantes em Franca. Paris nao e, sequer, Berlim. E uma capital de luxo e bem-estar, cercada de arame farpado e favela melhorada. Nem os decrepitos partidos franceses e os seus dirigentes, mais um Chirac decadente e na recta final, estao preparados para enfrentar este magno problema, que requer mais do cargas policiais e manifestacoes de forca e autoridade. Estes imigrantes desafectados tornar-se-ao, no seu abandono, um perigo sociologico e uma subcultura de crime e desvio de norma.
-E-
1 Comments:
É profundamente decepcionante constatar que em França, um dos países mais desenvolvidos da Europa, com uma tradição humanística que serviu de modelo e inspiração a tantas nações pelo mundo afora, existam populações a viver em condições de tal forma degradantes que acabem por provocar os distúrbios amplamente noticiados há algumas semanas atrás. Infelizmente, Paris não é um caso isolado; em muitas outras capitais da Europa existem réplicas das condições miseráveis e degradantes de vida que esses povos tinham em seus países de origem, nas cidades em que sonhavam ter melhores condições de vida. É triste constatar que todos os ideais pelos quais tanto se lutou no século XX acabaram por ter sido uma irremediável perda de tempo. O sonho da igualdade entre os povos, da erradicação da pobreza, dos direitos iguais para todos é isso mesmo: um sonho. Será que precisamos de mais dois mil anos para transforma-lo em realidade?
Enviar um comentário
<< Home